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15 agosto, 2008

BATMAN...

[MODE FILOSOFIC ON]




COMENTARIOS ACIDOS E CELEBRES SOBRE BATMAN...

Debatman: para quem não leu, estrelando Jabor, Xexeo e Bloch

Abaixo, a pedidos, a polêmica completa, em cinco partes, entre Arnaldo Jabor, Jabor, Artur Xexéo e Arnaldo Bloch acerca de Batman e do fenômeno da recepção artística.

1.

Batman, Osama e Obama



Fui ver o "Batman", claro. É impossível ignorar esta oitava arte que surge em Hollywood: os efeitos, os computadores criando odisséias tecnológicas homéricas do século XXI. O filme é espantosamente constelado, "risômico", explodido, até difícil de acompanhar para um linear tropical como eu. Pensava em ver mais um show tipo "Missão impossível", mas não é. É mais.

Os filmes-catástrofes ou as aventuras dos efeitos especiais pareciam dizer: "Nós somos a América, nós temos a cultura da certeza! Aqui tudo tem princípio meio e fim. Aqui, tudo está sob controle e termina como nós queremos. Aqui há a competência!"

Mas, aí, um belo dia, os aviões se chocaram com as torres em Nova York. E dá para ver que a queda do WTC está ali, como uma cicatriz na dramaturgia americana. O 11 de Setembro criou uma era de ambivalência para o cinema. Acabaram mocinhos x bandidos.

O sintoma fica claro com a extraordinária interpretação de Heath Ledger (O neoCoringa) que gira isolado criando uma obra-prima rara no cinema, uma ilha de cinismo contemporâneo, misturando bem e mal, misturando horror e simpatia, matando com um sadismo sofisticado e, depois (plano inesquecível), saboreando o vento fresco da noite na janela de um carro, com sua cara de palhaço desenhada por um Pollock ou Rauchenberg. "Escolhi o caos" — ele diz para o Batman. Heath, de certo modo, faz uma critica ao próprio filme. Heath é quase uma paródia do "grande espetáculo", é um marginal dentro do elenco.

Ele nos aponta para um outro filme que poderia existir, além das raízes moralizantes e aristotélicas deste, bem escondidas, sem dúvida, mas que estão lá. Heath lembra Johnny Depp em "Piratas do Caribe", lembra também a genial presença de Anthony Hopkins em "O silêncio dos inocentes". Os três atores estão adiante dos filmes que lhes pagam. Os três, Hannibal the Canibal inclusive, nos fascinam porque parecem estar mais além de uma moral antiga, que eles contemplam, do outro lado do Bem. Hannibal e Heath parecem saber mais do que nós, que vivemos ainda mergulhados em dúvidas morais e culpas.

Nada mais atraente que a psicopatia elegante. No mundo cruel de hoje, todos queremos ser como Hannibal, longe de uma arcaica compaixão.

O Coringa Heath nos apavora e nos atrai, e não conseguimos odiá-lo completamente porque ele é extremamente contemporâneo. É como se ele dissesse: "Nenhum saber, nem ética, nada vai apagar o animal feroz que nos habita. Eu sou uma vanguarda". Ele diz no filme para um perplexo Batman: "Eu não quero te matar; você me completa." E completa: "Não sou um monstro; estou além da curva..." Heath Ledger é apavorante porque não tem motivo claro para agir. Sua única regra é mostrar o absurdo de querer impor ordem no caos. Ele encarna os impulsos destrutivos humanos inexplicáveis. Como Hannibal. Ou, na vida real (se ela ainda existe), como o Muhhamed Atta, o chefe dos terroristas do 9/11. Ele não tinha religião, não cria em Alá, não tinha ideologia política, era químico na Alemanha, não tinha motivos. Ele queria fazer o impensável, o inominável, acima de qualquer crime, queria conhecer aquela fração de segundo entre a vida e a morte, com a parede do WTC tocando o nariz do Boeing.

E aí, pensamos: para que praticar o bem se ele não é mais possível? Quando pedimos o bem, falamos como de uma harmonia perdida. Será que ela já houve? Invenção platônica, iluminista neste mundo sujo? Pensamos com o corpo, queremos que o mundo seja um "todo harmônico", como o nosso organismo. A idéia de "fragmentário" gera angústia porque lembra a morte.

E o mal?

O mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o mal. O mal é um mecanismo de defesa. Ao denunciar o Mal, vivemos dele. Eu lucro, sendo um cara legal que denuncia o mal e assim escapo da fome, comendo a comida de quem lamento. O Bem não dá filme. Já os psicopatas estouram bilheterias. Se não há um mal claro, como seremos bons? O Mal é sempre o outro. Nunca somos nós. Ninguém diz, de fronte alta: "Eu sou o mal!" Ou: "Muito prazer, Diabo de Oliveira..." Como inventar uma práxis do bem? O que é o bem hoje? Será lamentar tristemente uma impotência, um negror melancólico?

Heath Ledger, o Coringa, nos lembra inevitavelmente o Osama bin Laden. Ele também veio sem motivo, do nada, e fez o maior filme-catástrofe da História. Não haveria este Batman sem Osama; não está no enredo — está no ar.

Achávamos que haveria um futuro confortável no século XXI. Mas Osama não está em nosso tempo. Osama nos fala de fora do tempo, da História. Osama mora na eternidade. Queremos desesperadamente explicá-lo à luz da razão, mas ele é imune a interpretações. Osama nos fez ver a grande montanha de lixo que se escondia sob o progresso, a razão do Ocidente. Desmoralizou a América, nosso mito de competência, e dirigiu, comandou todos os erros pavorosos da vingança americana. Nunca a América errou tanto como sob esse estafermo do Bush. Toda a trapalhada ocidental, o Mal ocidental escondido sob o Bem apareceu, o eixo ocidental do Mal.

E Obama? Agora ele surgiu, prometendo o Bem. Obama é uma antítese simétrica do Osama. Será? Será que depois de uma década do que Norman Mailer chamou de "tempestade de merda", a História deseja um espasmo de mudança para o "bem?"

Pode ser que Obama encarne uma tendência histórica, não da América apenas, mas do mundo. Não é o messias, claro. No entanto, mais importante que sua eleição pessoal é o fato de que ele pode eleger uma nova consciência na América. Pode ser que descubramos que o mundo atual não é só esta bosta que os reacionários criaram. O mundo tem mil possibilidades de riquezas, de milagres científicos e culturais, que estão esmagados pela estupidez endêmica dos fundamentalistas dos USA. Uma vitória do Obama, depois de Osama, depois de Batman, pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um Bem perdido.

O Coringa genial de Heath Ledger é o sintoma de um mal ridículo que tem de acabar.

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2.

Não tenho nada a dizer

Artur Xexéo, 30 de julho, num trecho em que comenta a crônica de Jabor e outras sobre Batman

Na falta do que dizer, poderia escrever sobre "Batman". É, eu também vi "Batman". Eu e mais 534.134 pessoas em todo o Brasil escolheram o último fim de semana para entrar em contacto com as desventuras do Cavaleiro das Trevas. Mas, sinceramente, sobre o "Batman", não tenho nada a dizer. Para falar a verdade, passei os 15 primeiros minutos sem ter a menor noção do que estava acontecendo na tela. Não entendi nada.

É claro que não é a primeira vez que não entendo o que se passa numa tela de cinema. Mas não entender Resnais, Godard ou, vá lá, David Lynch é instigante. Agora, não entender "Batman"?!!? Tem alguma coisa errada ou comigo ou com o cinema. Aí, fui ler o Jabor, outro dos 534.135 espectadores do filme nos últimos dias. Pois Jabor, a partir de "Batman", fala de Obama, Bin Laden, ataque às Torres Gêmeas... Meu Deus, será que vimos o mesmo filme?

Li ainda um artigo do Marcelo Rubens Paiva, outro dos 534.... bem, vocês já sabem. Pois Marcelo entendeu tudo: "Os personagens se debruçam sobre as contradições que sufocam a sociedade contemporânea. Ética, psique humana e psicopatia social são debatidas entre um soco e outro, como se Hegel e Nietzsche saíssem na porrada numa Gotham City dominada por máfias. Heróis e vilões citam dilemas faustianos que paralisam e colocam em questão o anacronismo dos métodos de se fazer política externa dos EUA — ou combater o crime no Brasil. Ante o herói que faz justiça com as próprias mãos, Coringa reclama: 'Ninguém mais quer a sua força!'"

Bem que um compositor uma vez me disse que me faltam as leituras básicas. Mas tenho certeza de que ele não incluía aí as histórias em quadrinhos. Li muitas histórias em quadrinhos na infância (no meu tempo, histórias em quadrinhos era coisa de criança). O problema é que os quadrinhos da minha infância eram Luluzinha, Bolinha, Pafúncio, Os Sobrinhos do Capitão.... Não tinha nada a ver com Hegel ou Nietzche. Ainda não eram graphic novels. Talvez por isso não consiga captar tudo que há por trás do que imaginei fosse um simples filme de ação. Só me resta uma sentença: não tenho nada a dizer.

"Era uma vez", o novo filme de Breno Silveira, teve uma bilheteria digna no seu primeiro fim de semana em cartaz. Conquistou 53.191 espectadores em seu primeiro fim de semana. Mas não tão digna a ponto de salvar os números do cinema brasileiro este ano. Grande expectativa deste segundo semestre para repetir o feito de "Meu nome não é Johnny", que fez mais de dois milhões de espectadores desde sua estréia, na primeira semana do ano, "Era uma vez" dificilmente ultrapassará a marca dos 500 mil espectadores. De acordo com dados do Filme B, o boletim eletrônico que radiografa as peculiaridades do mercado de cinema no Brasil, "Meu nome não é Johnny" sozinho representa 62% de toda a bilheteria dos filmes brasileiros deste ano. É um desastre. O mercado, agora, se volta para "Os desafinados", de Walter Lima Jr., com estréia marcada para o fim de agosto. Agosto é um mês tradicionalmente bom para lançamentos nacionais.

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3.


De: Batman Para: Xexéo

Arnaldo Bloch, 2 de agosto, comenta o texto de Xexéo



Prezado Mr. Xexéo: agora que o filme estreou, as coisas aqui em Gotham City se acalmaram e encontro tempo, enfim, para ler os jornais — inclusive os brasileiros. O senhor sabe: neste mundo globalizado, não dá para vacilar. Li com interesse sua última coluna, na qual demonstra espanto com o fato de alguns colegas terem enxergado, nesta nova versão do Cristopher Nolan, algo além do simples thriller de aventura. Num dos parágrafos, ao comentar os paralelos que Mr. Jabor traçou com a situação política americana e as leituras filosóficas de outros espectadores ilustres, o senhor usa um aforismo muito em voga: "Será que vimos o mesmo filme?" Pensei logo em Érico Verissimo (o senhor não vai acreditar, mas na biblioteca de Bruce Wayne há um exemplar de "Olhai os lírios do campo"). O Érico não gostava do livro, e, em seu prefácio, fazia esforço para atinar com os vários quadros que os leitores viram ali, corroborando a tese de que, depois de difundida, a obra, pop ou obscura, deixa de pertencer ao autor. De fato, é mais regra que exceção as pessoas lerem o mesmo livro de formas diferentes, a ponto de se dizer que quem escreve é o leitor. Ou seja, é o mesmo livro mas não é o mesmo livro! Sei que é esquisito, paradoxal. Mas, não fosse assim, teria a arte graça e amplitude? Se todos pensassem o mesmo e tivessem as mesmas emoções suscitadas, a arte seria digna desse nome?

Pensei também na fonte de Duchamp (obra-prima do movimento dada, ready-made, essas coisas), que chega à cotação de quase quatro milhões de euros. Ouvi falar que Bruce Wayne está pensando em arrematar. Já viu a multiplicidade de interpretações que aquela privada invertida suscitou? Que loucura... Mas aí pensei: o que seria da arte se o penico de Duchamp tivesse que ser só um penico?

Talvez o senhor argumente: Duchamp tinha intenção, agia de acordo com um manifesto, queria épater les bourgeois. Realmente. No caso de Batman, li uma entrevista em que Cristopher Nolan afirma a intenção de só fazer um filme de aventuras, entreter. Mas foi aí que eu pirei: se, como dizem Érico e a torcida do Flamengo, a obra difundida não pertence mais ao autor, que direito teria eu, ou Nolan, de dizer que os "cabeças" viram o filme errado?

Será que às vezes a própria obra de arte não é um discurso autônomo, livre do discurso do autor? Será que a época em que ele vive, os fatos em seu entorno, não influenciam suas escolhas estéticas e discursivas, para além das intenções? Há cineastas, como o Glauber, cujo cinema é a práxis de um discurso. Outros falam, mas seus filmes nada dizem. E um terceiro grupo, do Nolan, é mais retraído, gente quieta, que nega tudo, mas na hora de se expressar encontra, no cinema, a outra face do seu discurso. Tipo o Duas-Caras do Batman.

Acho que o inconsciente do cineasta, tocado pela sua contemporaneidade e suas leituras, "baixa" muito através de sua obra, e danem-se as intenções racionalmente concebidas. E que parte do público "se comunica" com essa esfera. Note bem: não que esse público seja uma minoria eleita e o outro seja uma maioria insensível. São apenas diferentes. A arrogância (de ambas as partes) só começa quando um grupo começa a desconfiar do outro e a desqualificar sua apreciação.

Enfim, devo estar falando bobagem. O inconsciente está fora de moda e eu sou apenas um herói. Ou melhor, nem herói: sou apenas o que Gotham City precisa. Aceito sem problemas me prestar ao ódio e ao escárnio geral para que a reputação de um homem público caído em desgraça permaneça ilesa, perpetuando uma "mentira necessária" em nome do bem e ocultando do público uma verdade nociva que pode servir ao mal. Tentei sair de cena e institucionalizar o combate ao terror, mas fracassei: para domar a anarquia é preciso mesmo mentir, produzir mistificações, torturar, controlar a informação. Está tudo ali, no script, nas falas mesmo. Não fui eu, nem foram os críticos. Foi o roteiro quem disse.

Teve gente que viu aí paralelos com a Doutrina Bush e com as ameaças à privacidade na era da informação. Uns ativeram-se a detalhes simbólicos e metáforas visuais, dissecando quadro a quadro. Outros fizeram leituras extemporâneas, ou filosóficas, sobre mecanismos de poder e dominação. E teve gente, como o senhor e a maioria, que não viu nada. Todos estão certos, ainda que o Nolan esteja falando a verdade. Ou mentindo. Ou falando a verdade e mentindo ao mesmo tempo.

Por que é que a gente é assim? O senhor não vai acreditar, mas agora pensei em Cazuza: "Prendia o choro e aguava o bom do amor". Tipo, se a gente fica só no preto e no branco, tudo muito lógico, se a gente só lê o que está escrito e abafa as entrelinhas, como é que se vai chorar o bom, sonhar o amor, ver o que está (ou o que a gente pensa estar) lá no fundo, oculto das intenções? Como é que a gente vai criar em cima de tudo o que não se quis dizer? Como é que a arte vai dar à luz e se multiplicar em mil artes?

O que me preocupa com essa idéia de que Batman é só Batman e gibi é só gibi é um certo "moto" de exclusão anti-intelectual. Para quê? Por que é que a graphic novel não pode coexistir com a Luluzinha na mesa do mesmo leitor ou de leitores diferentes? O fato de não existirem graphic novels (ou o jargão, pois os romances gráficos existem desde os anos 40) no tempo dos gibis é sinal automático de diluição pós-moderna, pretensão de nerd?

Por que um mesmo objeto de entretenimento não pode divertir fulano e se prestar à ilação filosófica de beltrano, e tudo ser divino maravilhoso? Aliás, nada é tão simples assim em Luluzinha. Nem tão complexo nos mangás. Mas isso é outro gibi. Ou seria o mesmo gibi? Ih, acho que essa coisa de dupla identidade e múltiplas leituras está me deixando Lóki. Não sou artista. Nem crítico. Nem herói. E, para falar a verdade, estou precisando de férias. Taí: vou passar a primavera no Rio. E farei uma visita à redação, disfarçado de Groucho Marx. O senhor vai me reconhecer.


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4.

Batman é o Rockefeller com asas

Arnaldo Jabor, 5 de agosto, em resposta a Xexéo e a Bloch, e depois de ver o filme pela 2a vez


Fui ver o "Batman" de novo e, como o Xexéo disse, vi um filme diferente. Não do que ele assistiu, mas diferente do que eu tinha visto. Muita coisa tinha me escapado, não porque o filme seja "complexo", mas porque é "emaranhado". Isso. Assim como o mistério da arte é abolido no "entretenimento" (palavra-chave do show business), nos atuais filmes de ação, a "complexidade" é substituída por um simulacro: o proposital "emaranhamento", que nos dá a sensação de "profundo".

Porém, se descascamos as camadas de significação, em meio ao enxame de efeitos especiais, da montagem frenética, incessante, podemos ver "Batman" como "sintoma", como queriam os antigos professores da "filmologia" francesa.

Assim, tento apontar indícios do mundo que produziu "Batman" e alguns fatos e sentimentos inconscientes que ele evoca.

Nos filmes violentíssimos dos anos 70, com os atores brutais como Sylvester Stallone, Hollywood inventou o prazer do sangue, das facas dentadas, dos peitos estourados, das metralhadoras fálicas. Era a safra do cinema pós-Vietnã, como uma vingança na tela pela derrota humilhante dos americanos pelos magros guerreiros comedores de arroz; eram um show de força para compensar o fracasso da guerra.

Mais tarde, antes do 11 de Setembro, rolou a grande onda de filmes sobre a destruição de Nova York. Podem conferir: os USA invadidos por "godzillas", por discos voadores letais, por asteróides, por explosões no "Armageddon" (há em Godzilla uma cena absolutamente igual à multidão real de 2001, fugindo pela rua, com as torres se suicidando ao fundo).

Osama Bin Laden realizou esta volúpia destrutiva, esse estranho sonho de auto-extermínio dos americanos. Por quê? Ninguém filma Paris acabando ou Londres em pó. Mas americano paranóico só pensa em inimigos. As próprias torres encarnavam uma arrogância arquitetônica, pedindo bombardeio. Com a tragédia do WTC, algo mudou. Dá para ver em "Batman" que a queda das torres está ali, como uma cicatriz na dramaturgia. Estava criada a era de ambivalência no cinema. Acabaram mocinhos x bandidos.

Depois, tanto a violência dos "estoura-peitos" e o suicídio virtual dos filmes-catástrofe deram lugar a uma cultura de massas mais "reflexiva". Hollywood, claro, comercializou esta "crítica ao Sistema", com heróis anarquistas ou psicopatas ameaçando a boa sociedade.

E mais: com a espantosa evolução da reprodução digital, nasceu um novo tipo de violência — a violência simbólica, a violência da forma, as tempestades de cortes infinitos.

Esses filmes desabam torres de som e imagem sobre nossas cabeças, nossos olhos ficam cegos diante de tanta informação, que jorra como lava para não pensarmos. Nos filmes de ação de hoje, as personagens principais são as coisas, os computadores, a velocidade, os celulares mágicos, a virtualidade.

Somos manipulados como um videogame ao avesso, onde nós somos o jogo. E, ao sair, pensamos; onde está a vida real?

Onde estão os comportamentos humanos verdadeiros?

Já se disse que o 11 de Setembro em NY foi o único momento de retorno do real na escalada do mundo virtual. Por isso, só nos resta detectar alguma realidade não no filme, com seus clichês morais, mas na produção que o criou. A realidade está fora da tela, em motivações inconscientes.

"Batman" nos fascina há décadas porque é o super-rico que defende os homens comuns. Uma espécie de Rockefeller com asas, um bilionário a favor do povo. Onde estão esses bilionários do bem? Salvando a África, abrindo concessões em Doha? Há! Há!

Por outro lado, o revolucionário Coringa ataca o povo, mas despreza o dinheiro e o queima. Coringa é o superpsicopata com visão de mundo que parece saber mais que nós, caretas mergulhados em dúvidas morais. Sim, ele é uma metáfora do Osama e seus homens-bomba.

Osama, o Coringa do deserto, acabou com a idéia de guerra. Osama nos ataca de outro tempo — fora da História.

Ao errar o alvo contra a Casa Branca, os terroristas acertaram num poder muito maior, primeiro sinal de que a ordem política não significava muito mais. O verdadeiro poder estava em outro lugar. No "Batman", a política e a polícia tentam dar conta da imensidão da corrupção e da criminalidade global. "Batman" é a elaboração "a priori" de outros atentados que acontecerão, um dia. Quando Osama-Coringa atacará de novo?

"O terrorismo não tem motivos concretos, não tem sentido algum num mundo saturado de sentido, de eficácia, de finalidade. O terrorismo é uma singularidade. E a finalidade única da singularidade é destruir a totalidade" — resumiu com brilho Jean Baudrillard.

Este filme não é o Bem contra o Mal. É o Controle contra a Anarquia. Controle que o próprio filme, em sua forma, exerce sobre nossas cabeças. Gozamos o tempo todo com o mal e, no final, os produtores nos "concedem" o arbítrio de escolher o bem, quando a tecnologia e as cenas celebram o mal durante toda a projeção. Este "meio" é muito mais importante que as "mensagens" que, ao final, vêm magramente em pequenas lições morais defendendo a família, a solidariedade, o amor. Como apontou o A. Bloch, permite hipocritamente que Batman aja além da lei. Batman invade Hong Kong e concorda em ocultar a loucura do promotor que cai na vingança do "olho por olho". E parece dizer: "Isto tudo é porque estamos em um tempo de exceção". O filme é uma elaboração da "política do medo", sim, e de leis tipo Patriotic Act (Ata Patriótica).

Há uma suprema ironia no final. No filme, o Coringa não morre, para permitir a continuação da saga, para os lucros de futuras produções. Mas, na vida real, o Coringa Heath Ledger morre, sim, logo depois. Que prejuízo...

Na verdade, nada disso tem importância. É apenas um filme; mas é um claro sintoma da inquietante sociedade que o produziu.

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O filme que não ousa dizer seu nome

Tinha obrigação de escrever sobre "Batman". Desde que, motivado pela coluna de Arnaldo Jabor, "Batman" foi meu tema da semana passada, o filme praticamente caiu sobre minha cabeça. Através da coluna de Arnaldo Bloch, recebi um e-mail do próprio Homem-Morcego. E, ontem, depois de assistir ao filme outra vez, Jabor voltou ao assunto. Só dá "Batman" nessa contracapa. Então, teria chegado a minha vez. Mas acho que vou passar adiante. Ando encasquetado com o super-herói. Acredito mesmo que haja uma maldição pairando sobre o filme. Primeiro, foi Heath Ledger, que morreu de overdose antes mesmo de concluir sua participação como Coringa nas filmagens. Depois, na época da estréia da superprodução, foi o galã ascendente Christian Bale que acabou preso porque deu uns tapas na própria mãe. Agora, quando o filme deveria estar comemorando os muitos milhões de espectadores no mundo inteiro, é Morgan Freeman, o intérprete de Lucius Fox, o braço direito do herói nas indústrias de Bruce Wayne, quem sofre um acidente de carro e quase sai dessa antes do tempo. Agora, me explica, tem ou não tem um vudu pairando sobre esse filme? É por isso que, precavido, declino de qualquer oportunidade de associar meu humilde nome a "Batman — O Cavaleiro das Trevas". Acho mesmo que o melhor é nem repetir mais o título do filme. Fica assim que nem aquela peça escocesa do Shakespeare. Para que abusar da sorte?

[MODE FILOSOFIC OFF]


INTEGRA http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/post.asp?cod_post=118927 ....

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